15.9.10

escuta


apesar de postar isto tardiamente, venho para falar sobre o que presenciei durante as férias familiares deste verão.
fiquei deveras mal impressionada com o turismo português. e com a disseminação de informação relativamente a festivais alternativos (não underground, ainda assim).
ou seja: por acaso fortuito, dei com um cartaz que anunciava um festival de folk celta, que anunciava bandas fabulosas como a Brigada Victor Jara (da época do PREC) e os Luar na Lubre.
ao chegar ao parque de campismo onde passaria uma semana, no Gerês (após nos perdermos no Parque, ainda que por muitas travessias por essa Europa fora nunca tal tenha acontecido; obrigada, cartógrafos portugueses), tentamos informar-nos mais sobre este mesmo festival. e fiquei absolutamente estupefacta quando nos dizem "não, não sabemos de nada".
quando em frança, ou em espanha, quando num parque de campismo damos de caras com dezenas de panfletos que anunciam eventos, parques temáticos, locais de interesse. ainda assim, quando a 30km de ponte da barca, não demos com UM panfleto que anunciasse o Festival.
e apenas quando fomos ao pobrezinho turismo de Ponte da Barca conseguimos descobrir que para além do Festival ia acontecer uma feira alternativa (que foi absolutamente deliciosa).
e assim consegui perceber realmente a pobreza cultural deste país quase milenar.

e aconselho vivamente o grupo galaico-português Luar na Lubre, o duo Lufa Lufa e a Brigada Victor Jara - que sabem recriar a música tradicional portuguesa dum modo fabuloso (cheguei a dançar o vira, diga-se de passagem).
portanto, deixemos de nos virar para o exterior e admirá-lo e louvá-lo, e olhar para dentro e começar por mudar o mais básico e simples: o maldito turismo. e apenas depois pensar em reformas governamentais.
digo eu.

23.7.10

afundada-de-cu-no-sofá

ahah, que graça que eu tenho.
sentada, sozinha, na sala, quando os ponteiros se unem no vértice do relógio redondo, com um cigarro a arder no cinzeiro que é uma casca de coco e um MacBook no colo, e a litigar a humanidade.
mais uma vez, ahah.
estou a ouvir música (ou barulho como muitos lhe chamariam) de protesto, e a pensar "sim, realmente, é verdade, têm razão", e a ficar exactamente na mesma posição cómoda em que estou há coisa como quarenta minutos.
ahah. ahah.
o comodismo é uma coisa fabulástica.
o que não é uma coisa fabulástica é a resiliência dos dedos em não se soltarem do filtro do cigarro e juntarem-se às teclas outrora brancas do portátil.
mais uma vez, o comodismo.
a vontade de não pensar.
de enfiar o cu no sofá e ver filmes e séries televisivas degradantes, com o fiozinho de baba no canto da boca típico da criatura catatónica.
há umas semanas que tenho uma folha colada na parede do quarto e o material todo pronto para voltar a desenhar. mas chego à frente da folha e penso: "...naaah, não 'tou p'aí virada". e viro-me. e vou-me embora. e a folha e o material lá continuam, inertes.
há uns meses largos que ando a tentar voltar a escrever. monto tudo, computador ligado, cinzeiro ao lado do teclado, livros para consulta à beira da cadeira, ficheiro aberto, e... acendo um cigarro, encosto-me às costas da cadeira e lá fico. e a escrita fica exactamente onde estava há oito meses.
e é exactamente contra isto que eu "litigo".
o comodismo.
a pobreza de espírito.
mais uma vez, ahah.
dou por mim a pensar: "já não vou ver uma peça de teatro desde que fui ver A Mãe" e isto aconteceu em Março.
dou por mim a pensar: "já não leio um livro inteiro desde que li o Deuses Americanos" (g'anda livraço do Neil Gaiman, aconselho vivamente) e isto aconteceu em Novembro.
dou por mim a pensar: "já não vou ver uma exposição a sério desde... porra, desde quando?".
é este o cerne da questão, porra.
estou a transformar-me num dos grunhos que tanto repudio.
e estou a transformar-me nisso porque estou a perder a força de espírito, sou uma absoluta comodista e afundada-de-cu-no-sofá porque o resto dá muito trabalho.
e parece que por muito que tente tirar daqui o cu, ele arranja sempre maneira de para cá voltar.
mas o preocupante não sou eu, que basta ter um motivador (por mais pequeno que seja) para saltar de onde estou.
o preocupante são os meus pares, os da minha geração, os da geração anterior à minha, e os da geração a seguir à minha.
vou partilhar o mundo com um grupo de afundados-de-cu-no-sofá porque fazer seja o que for dá muito trabalho.
é certo, há outros que nem põem o cu no sofá porque são demasiado sóbrios para isso, mas, a verdade é que, a esmagadora maioria das pessoas é sempre como eu estou agora: afundada-de-cu-no-sofá.
ahah. que graça que eu tenho.

29.3.10

métodos medicinais

pratico meditação transcendental.
hoje viajei até ao mundo inferior pela primeira vez.
e voltei a vê-lo.
ao início, estava em pânico, a arquejar, a estrebuchar para sair de onde estava.
mas depois ele levou-me até a de onde ele é. (sim, a frase está bem construída)
vi um mundo de sombra, de música que de tão sinfónica destruía os ouvidos, onde ele se mesclava e não era mais que dois pontos de ouro.
e depois partimos de novo para a clareira com a pedra iluminada pelo feixe de luz solar.
vi lá os restantes cinco que estavam na sala, cada um acompanhado por outro animal.
vi a silhueta do totem do meu mestre, algo de enorme, avassalador, pacífico - um elefante.
e vi o gato deitado a meu lado, em toda a sua presença, todo o seu sossego.
e deixou-me tocar-lhe.
e fiz-lhe festas no lombo e atrás das orelhas, e senti o pêlo de sombra dele como fiapos de gelo quente.
e apercebi-me.
todo o tempo que evitei dormir, todo o tempo que acordei com suores frios, todo o tempo que evitava ir para outro estado de consciência.
medo.
puro medo.
do quê?
de mim.
do que ele me pode mostrar.
do gato preto.
acho que agora estou em paz com ele, que já vou poder dormir descansada.
tenho um conselho.
nunca te temas.
nunca negues algo que sabes que faz parte de ti.
aceita o que é teu e não compreendes.
aprende com isso.

(e aconselho outra coisa, um gole de whisky irlandês faz maravilhas a uma dor de cabeça)

10.3.10

citação shakespeariana

que situação ambígua, pá.

To be, or not to be: that is the question:
Whether 'tis nobler in the mind to suffer
The slings and arrows of outrageous fortune,
Or to take arms against a sea of troubles,
And by opposing end them? To die: to sleep;
No more; and by a sleep to say we end
The heart-ache and the thousand natural shocks
That flesh is heir to, 'tis a consummation
Devoutly to be wish'd.
Shakespeare, Hamlet 3/1

qual a questão que aqui jaz?
a mesma que me consome a mente todos os dias.
conformo-me, sou consumida pela maré pela qual sou arrastada, atiro os braços ao chão e resigno-me à minha impotência (e portanto descanso)
ou
insisto, de punhos fechados e um dedo espetado no ar, resisto, luto, estrafego, contesto, manifesto-me e não me conformo (e portanto sou destruída dia após dia após dia após dia)?
hmm.
creio que continuarei de braços estendidos contra um mar de problemas, porque quem dorme, quem descansa, quem se resigna, morre.
e digo até a frase cliché "antes morrer de pé a viver de joelhos".
e pergunto aos meus pares se têm realmente tanta vontade de lutar como de dizer que são lutadores.
e pergunto aos que me são superiores na hierarquia social se são tão fracos quanto aqueles contra os quais pseudo-lutam.
e pergunto a todos que me rodeiam se são uns resignados, uns adormecidos, uns mortos.
neste momento só me ocorre falar sobre a Lei Tríplice, sinceramente.
tudo aquilo que faças volta a ti em triplo.
portanto, pensa.
se tu lutares pelo que é bom, correcto, certo (quanto mais não seja só para ti), tudo te será devolvido.

seja, Hamlet, seja.
sê, Hamlet, sê.
sê, pessoa, sê.
sê tudo o que podes ser.

27.2.10

mãe terra

(sim, porque hoje estou num frenesim de escrita - W00T!)

ao jantar, poucas são as vezes em que estou realmente atenta às notícias que não se refiram a portugal (estou geralmente mais atenta ao outro lado da mesa, não vá eventualmente voar uma mão-cheia de chantilly para a minha cara).
mas nas ultimas semanas, tenho estado atenta, sim.
e penso.
estas catástrofes da Terra.
o Haiti.
numa escala mais pequena, a Madeira.
o Chile.
o Havai.
e tantas mais catástrofes das quais nem sonhamos.
quando foi do Tsunami no Sri Lanka, só sabia pensar "ahhh coitadiiiinhoooos".
agora só sei pensar "a seguir somos nós".
não, isto não é uma teoria persecutória - é a realidade.
foi exactamente durante o jantar de hoje que isso se me assimilou.
eu disse que isto que vemos é a Mãe Terra a fazer uma triagem - só os fortes sobreviverão.
e disse também que isto só acontece porque A estamos a destruir.
os meus pais, cépticos (o meu pai já nem tanto, creio que é um shaman em negação), disseram "isto é um ciclo", ao que o meu pai acrescentou "é como a minha psoríase - vai das fases".
(um aparte, o meu pai sofre de psoríase, uma doença de pele que lhe surgiu o ano passado e que se intensifica conforme os níveis de ansiedade)
ou seja, de acordo com a teoria do meu pai, que faz pleno sentido, a Terra está a viver um período de ansiedade.
creio que já chegou a um tal ponto que pura e simplesmente não tolera mais maus tratos.
e creio que é isto que andamos a pedir desde a Revolução Industrial.
para quem viu o filme "O Acontecimento", é exactamente isso que andamos a viver.
o mundo está a tomar conta de si, a proteger-se.
nesta altura, o mais que temos a fazer é ajudar quem pela Terra está a ser castigado, e cuidar a Terra também.
cuida a Mãe Terra, é dela que vieste e é para ela que irás.

o que faz?

na quinta-feira deparei-me com uma questão que até então sempre se me tinha assimilado óbvia.
um bom amigo meu estava apagado.
um gajo dos hip-hops, FYI.
um rapaz extremamente interessante, com boas ideias - e, no entanto, um céptico, um materialista de primeira, racionaliza o mundo para o poder compreender.
e, mais uma vez, ele estava apagado.
quando lhe disse isso, ele limitou-se a perguntar: "como assim?"
"estás apagado. os teus olhos não brilham."
"se os meus olhos não brilhassem, era sinal que estavam secos e que nesse caso estava profundamente desidratado."
a conversa seguiu, a um ritmo estranho.
por regra, as pessoas chamam-me de "gótica", embora tenha perfeita noção que não o sou.
o meu amigo disse-me: "sinto-me gótico."
"porque é que te sentes gótico?"
"porque estou com uns pensamentos super estranhos."
"tais como?"
"pensamentos de gótico. sangue. vazio. negro."
"não é nisso que um gótico pensa."
"não?"
"não. não é isso que faz dum gótico um gótico."
"então o que é faz dum gótico um gótico?"
e sempre se me assimilou óbvio - o gótico é aquele que é culto em literatura, música, história, por aí adiante. mas o meu amigo, um hip-hopper, também o é.
isso faz dele um gótico de boné branco?
o meu amigo também sabe falar sobre filosofia, política, música e respectiva produção, literatura de todas as épocas.
isso faz dele um gótico?
nesta altura, o meu amigo disse-me "conheço um gajo, do mais labrego que possas imaginar, que vive no alentejo, que é grande hip-hopper.".
um fulano que viva nas planícies alentejanas, de cajado na mão e de espiga de trigo entre os lábios, pode ser tão hip-hopper como um fulano que viva no grande porto, de boné na cabeça e calças pelos joelhos, pode ser gótico?
esta conversa foi há 3 dias.
e ainda me remói a cabeça.
será que hoje, nesta sociedade oca de valores e competências, o que determina o que uma pessoa é são as suas roupas?
os seus ornamentos?
o que é que faz de mim "gótica", então?
nesse caso não deveria ser hip-hopper também?

15.2.10

conforto

sentei-me na minha cama, de manga arregaçada, com o quarto a tremer ao som de violoncelos martirizados.
palpei pela minha gaveta à procura do meu conforto.
encontro-o e puxo-o.
fito-o, silenciosa.
ele está tão silencioso quanto eu, mas ri-se de mim, insano.
aproximo o fio da pele, mas a milímetros dela, páro.
páro e fico estática.
vejo as caras das pessoas que mais amo à frente dos meus olhos, e começo a tremer.
puxo o braço atrás, e olho-o.
olho-o como se nunca a tivesse visto.
olho-o como se no seu fio estivessem espelhados os olhares de desilusão.
olho-o e vejo nela uma cara pálida, sem expressão, morta.
tenho todas as razões do mundo e mais algumas para estar feliz.
será que já cheguei ao ponto de vício?
agarro um punhado de cabelo e ceifo-o, violenta.
isto não mais é tristeza, ou vazio.
é ódio, é repulsa a mim mesma, ao meu corpo, à minha fraqueza.
é esta a minha sina.