27.2.10

o que faz?

na quinta-feira deparei-me com uma questão que até então sempre se me tinha assimilado óbvia.
um bom amigo meu estava apagado.
um gajo dos hip-hops, FYI.
um rapaz extremamente interessante, com boas ideias - e, no entanto, um céptico, um materialista de primeira, racionaliza o mundo para o poder compreender.
e, mais uma vez, ele estava apagado.
quando lhe disse isso, ele limitou-se a perguntar: "como assim?"
"estás apagado. os teus olhos não brilham."
"se os meus olhos não brilhassem, era sinal que estavam secos e que nesse caso estava profundamente desidratado."
a conversa seguiu, a um ritmo estranho.
por regra, as pessoas chamam-me de "gótica", embora tenha perfeita noção que não o sou.
o meu amigo disse-me: "sinto-me gótico."
"porque é que te sentes gótico?"
"porque estou com uns pensamentos super estranhos."
"tais como?"
"pensamentos de gótico. sangue. vazio. negro."
"não é nisso que um gótico pensa."
"não?"
"não. não é isso que faz dum gótico um gótico."
"então o que é faz dum gótico um gótico?"
e sempre se me assimilou óbvio - o gótico é aquele que é culto em literatura, música, história, por aí adiante. mas o meu amigo, um hip-hopper, também o é.
isso faz dele um gótico de boné branco?
o meu amigo também sabe falar sobre filosofia, política, música e respectiva produção, literatura de todas as épocas.
isso faz dele um gótico?
nesta altura, o meu amigo disse-me "conheço um gajo, do mais labrego que possas imaginar, que vive no alentejo, que é grande hip-hopper.".
um fulano que viva nas planícies alentejanas, de cajado na mão e de espiga de trigo entre os lábios, pode ser tão hip-hopper como um fulano que viva no grande porto, de boné na cabeça e calças pelos joelhos, pode ser gótico?
esta conversa foi há 3 dias.
e ainda me remói a cabeça.
será que hoje, nesta sociedade oca de valores e competências, o que determina o que uma pessoa é são as suas roupas?
os seus ornamentos?
o que é que faz de mim "gótica", então?
nesse caso não deveria ser hip-hopper também?

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